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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Receita para moralizar a saúde e a medicina



A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu novas regras para controlar a comercialização de antibióticos. A partir de agora, tais medicamentos só podem ser vendidos em farmácias e drogarias mediante a apresentação da receita de controle especial em duas vias. Ou seja, sem a prescrição de um profissional capacitado para tal, ninguém mais, ao menos teoricamente, compra antibióticos no Brasil.

Trata-se de uma postura firme, coerente e importante. Ao tornar mais rígidas as normas para a venda de antibióticos, enfrenta-se diretamente um grave problema de saúde pública: a automedicação. Essa assertiva é fácil de ser compreendida, uma vez que qualquer prescrição médica exige diagnóstico. Para isso, o único com competência legal, técnica e cientifica, é o profissional de medicina.

É imperativo que regras rígidas também sejam estendidas à maioria dos medicamentos em que a prescrição é imprescindível. No Brasil, principalmente em lugares mais afastados e em áreas de difícil acesso, prevalece a automedicação, ou a prescrição a por quem não tem competência para tal.
Essa prescrição (desculpe a necessária redundância) é o ponto final do atendimento médico. É o caminho para restabelecer a saúde do paciente o mais rapidamente possível, sem complicações imediatas e/ou tardias. 
Depreende-se, portanto, que a normativa da Anvisa compromete o Sistema Único de Saúde (SUS) a disponibilizar assistência rápida e eficaz aos cidadãos, com a realização de exames subsidiários em tempo hábil e não como ocorre atualmente, onde impera, muitas vezes, o descaso de gestores com a saúde.

Se a Anvisa demonstra preocupação e compromisso público, o mesmo infelizmente não se dá com as autoridades que deveriam se empenhar na resolutividade dos problemas médicos da população. A dengue, por exemplo, encontra nessa época momento propício para tornar-se uma epidemia, já que não está sendo enfrentada devidamente. Outra constatação alarmante: meses atrás, a campanha contra a gripe suína foi uma mera busca por holofotes para, no fundo, encobrir a ineficiência do Ministério da Saúde.

Parte do caos é reflexo direto da interferência incompetente no currículo médico de bacharéis em medicina que nada sabem, de fato, de medicina. Foram eles que lançaram o famoso jargão “formar médicos para o SUS”. Ora, isso não existe. Médico é médico, deve estar bem formado para atender tanto àqueles com menos recursos, que mais frequentemente procuram o sistema público, como aos mais abastados, que recorrem aos planos de saúde ou consultas particulares.

À semelhança da Anvisa, com coerência e atitude, deveriam esses senhores se preocupar com questões que podem qualificar a assistência. Por exemplo, plano de carreira para médicos e profissionais de saúde, políticas para fixar os médicos em regiões de difícil acesso, melhorar o Sistema Único de Saúde, parar de usar o residente como mão de obra barata, entre outras ações.

A classe médica luta pelo resgate do SUS, lamentavelmente sem ser ouvida. O que precisamos é que médicos competentes sejam chamados para opinar e organizar o Sistema Único de Saúde, e não deixá-lo na mão de tecnocratas cuja presença em cargos importantes só se dá por amizade ou confraria.


Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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