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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O caso de Fabinho

DA JUDICIALIZAÇÃO À BANALIZAÇÃO DA SAÚDE


O SUS, ao longo dos seus 22 anos de existência, mostra-se, na prática, muito distante de refletir o real sentido do seu slogan constitucional: "SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO".

Como efeito imediato da ineficiência do SUS, assistimos desde o início da década 90 o crescimento do fenômeno que se convencionou chamar de "JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE". Sim, por mais incoerente que pareça, milhares de pacientes somente têm acesso a tratamentos indispensáveis para preservação de sua vida após conseguir uma liminar na Justiça. Trata-se (ou tratava-se) de um importante e democrático instrumento capaz de garantir à população o direito mais básico e fundamental: o direito à vida.

Todos acompanharam o drama vivido por um menino de 12 anos, que morreu tragicamente em decorrência do descaso dos gestores públicos das três esferas de governo (União, Estado e Município). Fábio Souza do Nascimento, "Fabinho", sofria de linfoma e doença pulmonar oportunista. Necessitava de um simples balão de oxigênio para sobreviver. Como não obteve o equipamento na rede de atenção hospitalar, procurou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que ajuizou uma ação judicial e obteve em poucos dias uma liminar condenando União, Estado e Município a fornecerem imediatamente o balão de oxigênio. Passaram-se seis meses e nada de o menino receber o equipamento: Fabinho morreu enquanto União, Estado e Município discutiam entre si de quem seria a responsabilidade.

Isso pode parecer só mais um retrato já de todos conhecido da ineficiente gestão do SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - superlotação dos hospitais, filas à espera de um atendimento, falta de medicamentos, insuficiência de profissionais de saúde, etc. O caso de Fabinho, contudo, extrapola esse já abominável contexto, mostra que toda a "Estrutura Estatal" sofre ineficiência generalizada.

Ao invés de avançarmos para uma era em que JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE não será mais necessária pela eficiência das políticas públicas, retrocederemos para a era da BANALIZAÇÃO DA SAÚDE.

O que dizer sobre isso? Não estamos só falando sobre a ineficiência do Sistema Único de Saúde, estamos diante da ineficiência indiscriminada do Sistema Estatal! O Executivo não atende, o Judiciário não se faz cumprir e o Legislativo não fiscaliza.

O Judiciário tem o dever de assumir uma postura mais ativa em casos como o de Fabinho. As decisões judiciais precisam ser cumpridas, sob pena de um completo desmantelamento das instituições estatais.

O Judiciário é igualmente responsável pela efetivação do direito à saúde. Ao condenar o Governo a fornecer determinado medicamento ou realizar determinado procedimento clínico está respaldado por diversos mecanismos jurídicos para fazer com que suas decisões sejam cumpridas, inclusive determinar a prisão do Ministro da Saúde e dos Secretários Estadual e Municipal de Saúde. Medidas drásticas como essas devem ser adotadas com cautela, mas devem, absolutamente, devem ser adotadas. Ou será que a vida de uma criança e de tantas outras pessoas que anonimamente passam pela mesma desgraça não vale a quebra do "protocolo da política de boas relações entre os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário)".

O Poder Judiciário precisa estabelecer diretrizes para monitorar o cumprimento de suas decisões, sobretudo quanto se trata de questões envolvendo direitos fundamentais, como a saúde. Não basta decidir e aguardar passivamente que suas decisões sejam cumpridas ao bel prazer dos gestores públicos.

O que diz a respeito desse fato o Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável pelo controle administrativo do Poder Judiciário?

Fazemos essa positiva provocação não só ao CNJ, mas a todos os outros personagens envolvidos nessa trama. A Defensoria Pública não poderia ser mais vigilante e combativa para que as decisões judiciais tenham a eficácia esperada? O Ministério Público não poderia intensificar ações preventivas para que casos como o de Fabinho deixem de existir? O Poder Legislativo não poderia fiscalizar com mais rigor a atuação do Poder Executivo nas políticas públicas de saúde e criar leis que organizem melhor o Sistema Sanitário? Os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde compostos cada qual com 50% de representantes da sociedade civil não poderia evitar tamanha catástrofe se fiscalizasse e controlasse as ações e serviços públicos de saúde de forma mais enérgica? Enfim, ninguém se furta dessa responsabilidade. Num Estado Democrático de Direito todos somos responsáveis, inclusive a menor célula da sociedade: o cidadão.

Iremos continuar assistindo calados este espetáculo de descaso e ineficiência do Sistema Estatal ou vamos mudar essa triste realidade? CHEGA!

Luciana Holtz de C. Barros                Tiago Farina Matos
Presidente                                          Diretor do Núcleo de Defesa Ativa
Instituto Oncoguia                              Instituto Oncoguia