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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Jovem Pan - Quais as formas de transmissão da Hepatite C - Parte 1





É possível viver muito tempo com a doença sem saber. Como identificá-la precocemente? 

 

 

 

Quais pessoas devem ficar mais atentas ao problema? 

 


A hepatite C é mais perigosa que os outros tipos de hepatite?

 

Está com dúvidas?

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Hepatite C Não é uma DST - Sociedade Brasileira de Hepatologia





Entrevistas para enquete referente à reportagem do Jornal Folha de São Paulo


Recentemente, o jornal Folha de São Paulo, maior veículo impresso do Brasil, publicou uma matéria intitulada “Hepatite C é ligada a jovens que fazem sexo com muitas pessoas”. A notícia informava que um estudo realizado pela USP - Universidade de São Paulo sugere que homens jovens e promíscuos são as vítimas preferenciais da Hepatite C. Esta noticia gerou especulações acerca da possibilidade da transmissão sexual do Vírus da Hepatite C ter sido subestimada ao longo dos anos dedicados ao estudo desta doença.

O assunto é controverso, mas existe farta documentação cientifica contrária à importância da transmissão sexual do Vírus C, exceto em situações peculiares.

Ademais, o tópico apresenta serias dificuldades para a sua avaliação científica. È necessário controlar nos estudos os fatores que chamamos, na linguagem da metodologia científica, de “confundimento.” No caso da Hepatite C, o vírus pode ser transmitido por diversas vias parenterais, ou seja, partilha de instrumentos perfuro-cortantes ou abrasivos, mesmo objetos de uso pessoal como tesoura de unhas e escova de dente. Não raro, indivíduos com comportamento sexual de risco, partilham estes instrumentos. Isso pode levar o investigador a falsamente aceitar a transmissão sexual se o estudo não tiver mecanismos para controlar estes “ fatores de confundimento”.

Além disso, deve-se ter o máximo cuidado quando incluímos na amostra usuários de drogas intravenosas. Ademais, quando a amostra é pequena (poucos pacientes incluídos no estudo) como é o caso do estudo que levou a esta controversa conclusão.

Esta é uma população particularmente difícil de estudar, não só pela dificuldade de informações seguras, assim como pela abundancia de fatores de confundimento.

Reconhecendo ser este um tema de importância, a SBH ouviu expertos em Hepatite C do Brasil e do exterior, todos com reconhecida experiência no assunto, pois são formadores de opinião e trabalham em centros de referencia para Hepatite C.

Para tanto, solicitamos os serviços da assessoria de comunicação da Texto&Cia. Esta, por sua vez, teve total independência para entrevistar expertos em Hepatologia, todos especialistas formadores de opinião.

A Entrevista aconteceu durante o Evento da SBH “Hepatologia do Milênio” em Salvador, de 14 a 17 de Julho de 2010. Todos os entrevistados foram convidados do evento para proferir conferencias, participar de mesas redondas e discutir casos clínicos complexos.

A Sociedade Brasileira de Hepatologia tem por objetivo contribuir para esclarecer a população, mormente os mais de 2.000.000 de brasileiros portadores de Hepatite C e aos seus familiares.

Este é um papel social das sociedades de especialidades médicas e também da imprensa.


Raymundo Paraná
Presidente da SBH
Professor Livre-Docente de Hepatologia Clinica da UFBA
Chefe do Serviço de Gastro-Hepatologia do Hospital Universitário da UFBA


Entrevistas

P- Qual é a sua opinião a respeito deste assunto?


Fábio Marinho do Rêgo Barros – Diretor da SBH – Sociedade Brasileira de Hepatologia e Hepatologista do Hospital Português de Pernambuco


Acho que é muito arriscado você usar um meio de comunicação como a Folha de São Paulo para divulgar uma informação que a princípio soa um tanto quanto alarmante. Primeiramente, o texto começa com um erro crasso que é a informação de que a hepatite C é uma doença incurável, quando na verdade nós sabemos que com os métodos atuais nós podemos curar efetivamente cerca de 50% das pessoas. A questão da transmissão sexual ou outras vias como se investigou no artigo não me parece muito convincente. Em vários estudos publicados em rigorosas revistas não existem indicadores de que casais monogâmicos se infectam mutuamente, quando um é positivo e o outro negativo. Normalmente você tem outras vias de contaminação que não a via sexual. Além disso, via sexual “convencional” não pode ser confundida com outras práticas sexuais como, por exemplo, sexo anal mais selvagem onde pudessem ocorrer pequenas lacerações. Neste caso poderia ter algum contato com o vírus, mas seria uma transmissão que se aproximaria mais da parenteral pelo contato como o sangue e não pelo sexo em si.

Então, basicamente, é o contato com o sangue, como toda a via de transmissão da Hepatite C é: transfusão sanguínea, usuários de drogas, partilha de instrumentos cortantes, partilha de seringas, ou seja, meios que tenham o sangue como veículo de transmissão viral.


Edna Strauss – Hepatologista do INCOR, Universidade de São Paulo.


Inicialmente destaco que eu não gostei do enunciado. “Homens jovens e promíscuos teriam maior propensão a ter Hepatite C, a desenvolver, ou a pegar, ou serem contaminados com o vírus da Hepatite C”. A epidemiologia da Hepatite C é muito bem conhecida. A forma preferencial de contaminação da Hepatite C é a forma parenteral, ou seja, exposição a produtos do sangue levados por corte, por agulha, por seringa contendo material contaminado. A possibilidade de contaminação sexual, através da relação sexual, desde que não haja grosseiras escoriações com sangramento. Por isso, a relação homossexual traumática realmente pode levar a contaminação, não pela relação sexual propriamente dita, mas pelo trauma da relação, pela contaminação de ambas as partes. Isso pode acontecer. Isso já é muito conhecido, - mas não é a via mais importante de contaminação.

O indivíduo pode se contaminar de inúmeras maneiras. Precisamos definir o que é promiscuidade sexual. A promiscuidade pela Organização Mundial de Saúde significa que o indivíduo tem ou teve mais de dois parceiros sexuais em seis meses. Neste contexto, se a pessoa tem mais de dois parceiros em seis meses, pela Organização Mundial de Saúde, ele é conceituado como promíscuo sexualmente. Um indivíduo com este perfil pode ter maior possibilidade de adquirir também a Hepatite C, porém, cabe a pergunta, sobre a confirmação de que a Hepatite C seja uma doença sexualmente transmissível. Nós sabemos que a Hepatite B tem importante transmissão sexual, mas a hepatite C é bem diferente. O vírus da Hepatite B tem uma efetividade muito maior, mas a Hepatite C não. A Hepatite C tem uma menos estabilidade no meio ambiente, a contaminação é mais difícil mesmo no acidente por agulha. Resumindo, a probabilidade de contaminação pelo sexo não é nula, isso nós sempre colocamos para os nossos pacientes, ela não é nula, mas ela é muito pequena, o que faz com que não se possa dizer que esta Hepatite é de transmissão sexual.

Existem formas diversas de contaminação da Hepatite C. Por conta disso, sempre que vejo um paciente com Hepatite C solicito o exame ao parceiro. Não porque eu ache que o sexo transmita a doença, mas porque a convivência diária entre os dois faz com que outras formas de contaminação aconteçam, por exemplo partilha de escova de dente, alicates de unha, ECT. Já tive um caso assim na minha clínica: o marido estava infectado, quando pedimos da esposa ela também estava infectada. Aí eu busquei os meios de contaminação e ela disse “Ah doutora, ele fazia a barba e depois eu pegava a gilete e me depilava com a mesma gilete”, portanto um material cortante que foi compartilhado. Assim como alicates de manicure, assim como uma agulha, uma tesoura, qualquer coisa que possa um ter usado e o outro ter usado também e com isso transmitir o vírus. Então o meio familiar, a convivência dos cônjuges pode realmente fazer com que haja uma transmissão do vírus, o que não quer necessariamente dizer que seja sexual. E no caso dessa pesquisa onde a maior parte das pessoas tinha uma atividade sexual muito intensa, seria necessário esclarecer mais detalhadamente quais são os outros hábitos dessas pessoas promíscuas. Sem isso não é possível excluir todos os outros fatores para confirmar que foi o sexo, realmente, o responsável pela contaminação.


Gilmar Amorim – Gastroenterologista, Docente do Departamento de Medicina Integrada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do grupo de expertos em Medicina Baseada em Evidencia da SBH.


Venho oferecer algum esclarecimento sobre essa questão que foi fortemente veiculada na mídia escrita e que de alguma forma deve estar causando algum transtorno emocional às pessoas que tem Hepatite C. Primeiro ponto: eu quero deixar claro que concordo plenamente com a nota publicada pela Sociedade Brasileira de Hepatologia. Perfeita a nota, ela esclarece que a Hepatite C não pode ser considerada uma doença sexualmente transmissível à luz dos conhecimentos atuais. E ponto final sobre o assunto.

Essa opinião é também de todas as sociedades de Hepatologia, no mundo inteiro. Ainda sustenta esta opinião o CDC (Centers for Disease Control) norte americano. A forma preponderante de transmissão é através do sangue contaminado. Então a nota da Sociedade ela é perfeita nesse sentido e ela ainda diz mais: que os trabalhos que lidam com esse assunto podem ter fatores complicadores à sua análise, ou seja, a metodologia inadequada. E aí se pode chegar a conclusões inadequadas. O assunto é muito delicado, pois pode resultar em preocupações para as pessoas, para os que estão enfermos, para os seus familiares, para o médico assistente e para todos aqueles lidam com o enfermo. Então eu concordo ainda mais com o que a nota da SBH quando diz que o sexo seguro é uma recomendação de universal e deve ser praticado por todos, independente da suspeita do parceiro ter ou não Hepatite C, sobretudo se esse parceiro não é fixo. Perfeita essa nota, eu não acrescentaria nada mais a isso aí, pois eu estou totalmente de acordo. E quero me inscrever dentre os que manifestaram descontentamento com essa informação de que a Hepatite C pode ser transmitida por via sexual, ou o conceito de alta conectividade com a via sexual de transmissão, conforme foi publicado.


Moisés Diago – Hepatologista, Universidade de Valencia, Espanha


Infelizmente não li este artigo, mas reluto em acreditar que esteja certo. Teria que interpretá-lo, pois pode haver mais fatores que tenham levado erradamente a esta conclusão. Na Minha opinião (é uma opinião geral, não só minha), é que o vírus da Hepatite C não é um vírus de transmissão sexual. Este é um vírus de transmissão por via sanguínea, por punções, não através de mucosas, ou seja, requer que haja ulcerações na mucosa para que possa ser transmitido.

No ano de 1996 publiquei um estudo na Espanha feito em familiares de pacientes com Hepatite C e também com seus parceiros sexuais e nos contatantes familiares. Minha conclusão foi a de que a via de contato familiar não transmite o vírus. Já que nos parceiros sexuais tinham um aumento de prevalência, mas quando analisamos os genótipos (Tipo Genético do Vírus), a metade era diferente, ou seja, cada membro do casal possuía um tipo de vírus diferente, portanto haviam contraído separadamente a infecção. Eles não haviam transmitido um para o outro. Isso em casais que eram casais heterossexuais estáveis.

Também nos filhos, não havia transmissão, mesmo entre os filhos de mães sero-positivas.

Sabemos sim que é possível existir a transmissão sexual, mas é uma probabilidade muito baixa, de apenas 2 ou 3%. Há muitos trabalhos que tratam de possíveis transmissões sexuais, mas muitos deles foram realizados em clínicas de doenças de transmissão sexual, onde atendem a pacientes, mulheres ou homens com doenças sexualmente transmissíveis, ou seja, mulheres que tem ulcerações na vagina. Então isso é um fator que tem que ser desmascarado, porque possivelmente uma mucosa da vagina que está com ulceração pode transmitir o vírus, o mesmo com o pênis do homem, pode ocorrer essa via. Este não é o conceito clássico de transmissão sexual. Mas com uma mucosa intacta não deve existir a transmissão.

Qual seria a explicação para o resultado desse estudo da USP? Eu creio que as pessoas que chegam a ter 50 parceiros sexuais têm muitas outras condutas de risco. Não todos, mas dessas 50 pessoas com quem o indivíduo teve relações sexuais em um ano temos, com certeza, algumas pessoas com DSTs e vírus C. Então temos que controlar este fator. Eu acredito que este seja um fator importante. Há também outras condutas a que essa conduta se associa. Mas pode haver hábitos que não estão claros, mas que poderiam explicar esse resultado. Portanto de um estudo assim não se pode concluir, quando há outros tantos estudos que dizem que o vírus da Hepatite C não é um vírus de transmissão sexual. Não podemos concluir que a transmissão sexual é um fator importante. Sim que pode acontecer em determinados comportamentos. Mas a recomendação de todas as sociedades é que não é necessário utilizar preservativos nas relações estáveis com um paciente portadores do vírus C, haja vista que depois de 20, 30 anos de convivência não há transmissão. Portanto, possivelmente esse fator que embasa esse estudo é mais um fator de conjunção de outros fatores que se associam à conduta daqueles indivíduos que variam parceiros sexuais. Todas as sociedades recomendam que nos casos de grande número de trocas de parceiros seja utilizado o preservativo. Mas acho que isso não há relação com o vírus C, pois há outras doenças são de transmissão sexual como a Hepatite B e a AIDS. É claro que numa gama de 50 parceiros deve haver pessoas com alguns outros problemas como uma ulceração na vagina ou algum comportamento de risco como o compartilhamento de seringas, objetos de uso pessoal, etc. Creio que aí esteja a confusão.


Christian Trepo – Hepatologista, Hospital Hotel Dieu, Universidade Claude Bernard, Lyon-França


Eu acho que deve haver uma confusão nesse estudo, pois o que é sabido é que usualmente a Hepatite C não é transmitida pelo sexo, especialmente entre casais. Agora o que foi recentemente descoberto é que homens que fazem sexo com homens são responsáveis por uma epidemia de hepatite C aguda. Mas isto não foi descrito para casais heterossexuais. Então o que realmente faz diferença é a preferência sexual.



Cláudio Figueiredo Mendes – Hepatologista, Chefe do Serviço de Hepatologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro


Sobre o estudo que foi divulgado pela imprensa em São Paulo, mencionando a possível transmissão, ou quase que confirmando a transmissão a fácil sexual do vírus da Hepatite C, existem, obviamente, vários questionamentos a respeito das conclusões. O que nós temos até hoje é que a transmissão do vírus da Hepatite C é principalmente por via parenteral, ou seja, contaminação através de sangue. A contaminação sexual seria uma via secundária, mas muito pouco importante.

A chance de transmissão através da via sexual é muito pequena mesmo. Parece que esse estudo teve vários erros na sua concepção. Eu não o conheço na integra, então não posso criticá-lo metodologicamente, mas, de qualquer forma, parece que esse estudo tem algumas contaminações e alguns vieses que podem ter prejudicado a avaliação final dos autores, envolvendo o uso de drogas e outros comportamentos de risco. É muito difícil você determinar exatamente se foi a via sexual a responsável pela disseminação do vírus da Hepatite C nesse caso.


Heiner Wedemeyer – Hepatologista, Docente do Departamento de Gastroenterologia, Hepatologia e Endocrinologia da Hannover Medical School na Alemanha. Presidente da EASL (Associação Européia para o Estudo do Fígado)


Primeiramente, esses dados são muito importantes, pois precisamos identificar fatores de risco para variadas vias de transmissão da Hepatite C. O que esse estudo mostra é que pessoas com certos perfis podem ter maiores probabilidades de serem infectadas com o vírus da Hepatite C. Mas não é verdade que a Hepatite C seja transmitida pela relação sexual. Este assunto tem que ser tratado com muito cuidado, pois se você não tiver fatores de risco adicionais, a probabilidade de transmitir a hepatite C por relação sexual é muito baixa. Nós conhecemos milhares de pessoas que são casadas e mantém relações sexuais por mais de 30 anos e não transmitiram Hepatite C aos seus parceiros. Entretanto a descoberta de que homens jovens com freqüente troca de parceiros têm uma probabilidade maior de transmitir Hepatite C sugere que eles possam ter também outros comportamentos que estão levando a um risco maior de infecção. E isso tem que ser investigado mais profundamente.

Deve ressaltar que se o paciente, além disso tudo, for imunossuprimido, ou tiver o vírus do HIV, aí a relação sexual é um fator de risco elevado para a transmissão. Isto está documentado, mas a transmissão sexual clássica entre indivíduos com integridade do sistema imunológico é de menor importância. Isso foi mostrado também na Europa, onde observamos um surto de Hepatite C entre homens portadores do vírus HIV. Estes podem transmitir o vírus da Hepatite C através de relação sexual.


Edson Roberto Parise – Hepatologista, Professor adjunto da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e Presidente da Associação Paulista para Estudo do Fígado.


O estudo eu não conheço em detalhes, mas a forma como foi divulgada a notícia é extremamente preocupante. Isso porque ela induz a que se creia que os pacientes que tem Hepatite C são normalmente indivíduos promíscuos, o que é uma inverdade total. A maior parte desses pacientes teve a sua infecção ou através de transfusão sanguínea ou através do uso de seringas/agulhas contaminadas. A promiscuidade é baixíssima entre todos os nossos pacientes, e o que estranha nesse estudo é que ele contraria todos os achados de todos os grupos no Brasil. Foi o único trabalho, com uma casuística muito pequena - deve-se frisar isso - que se dispôs a ter conclusões extremamente apressadas e, a meu ver, extremamente errôneas.

Eu não posso dizer que no estudo isso não existiu, porque nós não temos acesso aos dados, mas é muito intrigante que isso contrarie todas as casuísticas muito mais amplas que já foram realizadas no Brasil e no mundo a esse respeito. Foram estudos robustos, publicados em revistas de reconhecido rigor metodológico, tinham amostra de pacientes muito maiores do que a do estudo em questão. Portanto, é difícil aceitar uma conclusão tão contundente de um único estudo que não tem estes predicados que acabei de citar.

Repórter - Esses estudos, tanto do Brasil como do mundo, não indicam a Hepatite C como DST?

Edson Parise – Tanto é que nem nós, os médicos que cuidamos dos pacientes com Hepatite C, e nem mesmo os organismos de saúde Norte-Americanos indicam o uso de preservativo para parceiros sexuais estáveis de pacientes com Hepatite C. Então esse artigo está na contramão do mundo e é uma pena que se dê a ele uma dimensão como a que foi dada, dentro de um veículo tão importante quanto a Folha de São Paulo.


Paulo Roberto Abraão Ferreira – Infectologista da UNIFESP - São Paulo


Realmente a possibilidade de transmissão sexual da Hepatite C tem sido cada vez mais valorizada, particularmente dentre pacientes que são portadores do HIV e que tem práticas homossexuais, ou seja, indivíduos homossexuais masculinos. De forma que, provavelmente, pelos dados da literatura, aqueles pacientes que praticam sexo, particularmente sexo anal, com algum grau de traumatismo nessa cópula, podem desenvolver lacerações e, consequentemente, sangramento local durante o ato sexual e então facilitar a transmissão sexual do vírus da Hepatite C.

Existem vários relatos em trabalhos científicos mostrando surtos de Hepatite C dentre portadores do HIV e pacientes que são homossexuais, com prática de sexo anal. Existe sempre, da nossa parte, uma preocupação também porque não raro nós observamos na nossa prática clínica e também em dados relatados pela literatura, casos de infecção aguda em indivíduos que não são portadores do vírus HIV, algumas vezes em casais heterossexuais onde o(a) parceiro(a) adquire Hepatite C após contato com o namorado ou marido infectado por Hepatite C em casos agudos. Então, de fato essa possibilidade de transmissão sexual da Hepatite C pode existir, mas não é a principal forma de transmissão. Não deve ser também negligenciada. A orientação de sexo seguro e uso de preservativos é universal, com todos os cuidados que se recomenda, tanto para evitar a infecção pelo vírus HIV, como para evitar a infecção pelo vírus da Hepatite B.


Victorino Spinelli – Hepatologista da UFPE, ex-presidente da SBH

Há uma série de falhas e inverdades, e também há falta de base sobre o que está sendo afirmado. Em relação à transmissão sexual do vírus da Hepatite C, isso é uma possibilidade, mas de menor importância, exceto em grupos com comportamento de risco peculiar. Inclusive há estudos publicados que indicam um risco de uma pessoa adquirir o vírus da Hepatite C se o parceiro for contaminado. Nem sempre a transmissão se deu pelo sexo neste caso, pois existem outras vias de transmissão que são difíceis de avaliar.

Isso tem sido observado tanto em parceiros monogâmicos como também em multiplicidade de parceiros. Eu não conheço nenhum estudo que tenha relacionado isso especificamente com a multiplicidade de parceiros. Qualquer doença sexualmente transmissível aumenta a incidência quando também se aumenta o numero de parceiros. Em relação à Hepatite C, eu desconheço estudos com números contundentes em favor da transmissão sexual. que é muito baixa. Na minha experiência pessoal, eu já tentei avaliar isso em esposas de doadores de sangue e a presença do anticorpo nessas esposas foi muito baixo Outra experiência, não é um estudo científico, mas é resultado da minha observação em prática medica: Alguns anos atrás, de 500 pacientes tratados, boa parte deles casados, de relação supostamente monogâmica, apenas 5 pessoas, ou coincidências, não quero julgar que foi transmissão sexual, mas coincidências, nas quais esposas e maridos eram HCV positivo. Quando isso acontece, você ainda não pode afirmar que foi transmissão sexual porque, por exemplo, a mulher usa o barbeador do marido para depilação e essa é uma via sabida de transmissão. Além de mais, uma série de outros contatos nos quais o sangue de um pode entrar em contato com o do outro.

Vamos avaliar o genótipo 1a ou o genótipo 1b. O genótipo 1 é o mais freqüente em São Paulo. Cerca de 60% a 70% das infecções pelo vírus C em São Paulo são genótipo 1. Não é de espantar que haja essa coincidência entre genótipos nos indivíduos, o que não necessariamente significa que seja o mesmo vírus. Portanto, este aspecto não serve para embasar a conclusão de transmissão sexual, exceto se houver o sequenciamento de genoma viral para comprovar que são o mesmo vírus. Já em Pernambuco, entre 50% e 60%. No Rio Grande do Sul, o número é um pouco menor. Quando se fala em subtipos a e b, não parece lógico aquilo que a pesquisa aponta. Os autores dizem que os indivíduos com comportamento promíscuo têm o genótipo 1a e os que contaminaram com transfusão de sangue tenha o 1b. Não sei em que se baseia essa afirmação!!!

Mas o que vale ressaltar a luz do que conhecemos de estudos bem conduzidos é que prevalência da transmissão sexual da Hepatite C é baixíssima, com um parceiro ou com múltiplos. Já o risco de contaminação da Hepatite B por via sexual existe sim e a camisinha e a vacinação podem auxiliar na prevenção do contágio.

Fonte: Sociedade Brasileira de Hepatologia