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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

UM OLHAR SOBRE A SAÚDE PÚBLICA

Aproveitando o momento em que se discute a volta da CPMF, quero aqui fazer minhas reflexões sobre a saúde que é oferecida ao povo brasileiro. A Constituição de 88 criou o SUS (Sistema Único de Saúde) , programa avançado, talvez um dos melhores do mundo em se tratando de universalização do atendimento em saúde, o que a principio atenderia perfeitamente o preceito constitucional de que “saúde é um direito de todos e obrigação do Estado.” Na teoria perfeito, mas logo começaram os problemas de financiamento do sistema, que por sua abrangência demanda custos elevados.

Os Estados que até então eram responsáveis pela atenção primária, trataram de jogar nas costas dos Municípios esta responsabilidade e surgiu então a Municipalização da Saúde, que a principio mostrou-se politicamente interessante, logo se transformou no martírio dos Prefeitos, já que o montante dos recursos repassados pelo SUS não atende à demanda da sociedade por um atendimento de qualidade.

A CPMF surgiu então da necessidade de se garantir recursos e como tratava-se de um imposto cobrada nos movimentos bancários, poupava as camadas menos favorecidas, o que favoreceu sua aprovação, embora logo se tenha percebido que foi repassado para os preços dos produtos e serviços, penalizando direta ou indiretamente a todos. Outro argumento a favor da CPMF é de que serviria para fiscalização da movimentação financeira e combater a evasão fiscal. Uma vez implantada, o Governo começou a arrecadar fortunas e a Saúde Pública continuou de péssima qualidade, até porque o dinheiro foi parar no Caixa Único da União e daí para o ralo foi só uma questão de tempo.

Neste período, entretanto surgiu o que considero um grande programa, o único criado realmente pensando no cidadão, independente de qualquer classificação social, é baseado num território e todo o contingente humano e sócio-econômico contido nele. O PSF (Programa de Saúde da Família) só não está melhor porque os recursos repassados para cada equipe não é suficiente e depende cada vez mais de uma contrapartida maior por parte dos Municípios, o que o está desfigurando. Prefeitos que não têm a saúde como prioridade, e são muitos, estão reduzindo a carga horária dos médicos com salários proporcionais. É o famoso jeitinho brasileiro que os Prefeitos arranjaram para não sair do programa, com evidente queda na qualidade e nos objetivos do programa.

Um dos grandes problemas que a população enfrenta é a consulta com especialistas, chegando a espera ser de meses, já que os ditos Centro Regionais de Especialidades não têm médicos suficientes em algumas áreas importantes, como neurologia por exemplo. Marcação de exames laboratoriais e de imagem é outro problema que depende da capacidade financeira de cada Município, sendo que os Consórcios Intermunicipais resolvem parcialmente, visto que as cotas são de acordo com o que cada gestor disponibiliza, penalizando novamente os mais pobres. Cirurgias eletivas são proteladas ao extremo devido o baixo valor com que a Tabela do SUS remunera esses procedimentos tanto para médicos como para os hospitais, causando enormes sofrimentos a quem delas necessita, o próprio e tão falado “mutirão de cirurgias” é a prova inconteste de que o sistema não funciona.

Os serviços de Urgências e Emergências funcionam razoavelmente bem, principalmente nas grandes cidades e aqui, as maiores dificuldades são a falta de leitos em UTIs e a superlotação com pacientes amontoados em leitos (macas) improvisadas pelos corredores dos grandes hospitais.

A prestação de serviços complementares oferecidas pelos hospitais filantrópicos também enfrentam os mesmos problemas, com um agravante a nosso ver, pois a partir do fato de que o SUS não os remunera adequadamente e como necessitam sobreviver, passam a priorizar pacientes de planos e particulares , relegando a segundo plano os usuários do Sistema Único de Saúde, inclusive com sonegação de vagas para internações e em Unidades de Tratamento Intensivo. E a Central de Vagas que deveria coordenar e controlar esses descasos, não o fazem por absoluta falta de vontade política.

Pacientes com enfermidades crônicas e internações de longa duração, são os que mais sofrem com essa realidade.

Ainda existe um grande complicador que é a baixa remuneração dos profissionais de saúde em todos os níveis, as péssimas condições de trabalho e a insegurança a que estão expostos esses profissionais. Incompetência e falta de comprometimento de gestores irresponsáveis, completam o triste quadro de nossa Saúde Pública.

O QUE FAZER? COMO MELHORAR?

Em primeiro lugar temos que fazer o levantamento sério de nossa capacidade instalada, o que temos funcionando e os gargalos a serem removidos. Sabemos que 80% dos problemas de saúde são resolvidos na Atenção Básica ou Primária, então o investimento maior tem que ser no que a representa hoje que é o Programa de Saúde da Família. A unidade do programa tem que ser a porta de entrada para os pacientes, ali serão avaliados, consultados, solicitado exames , realizados pequenos procedimentos e encaminhados quando necessário ao Hospital Municipal. Podem estranhar eu falar aqui em hospital municipal, mas vejamos, todos município tem pelo menos um Pronto-Socorro Municipal e com um investimento pequeno poderiam se transformar em pequenos hospitais que além do atendimento de Urgência e Emergência, poderiam fazer internações clinicas e até mesmo um centro cirúrgico poderia realizar cirurgias eletivas de menor complexidade, com isso aliviando em muito a demanda nos hospitais regionais. Um bom sistema de referência e contra-referência garantiria o encaminhamento de pacientes mais complicados para os hospitais de referência.
 Aqui vai o grande equívoco no Programa de Saúde da nova Presidente, as UPAS tão faladas são desnecessárias, seriam intermediárias entre a Unidade do PSF e o Hospital Municipal. Milhares de reais em construções suntuosas sem o devido repasse para gestão, para fazer o que na pratica já existe, sonho dos empreiteiros e elefantes brancos na mão de prefeitos. Policlínicas com especialistas seriam muito mais úteis à população, mas mesmo assim, também dependem de avaliação criteriosa da atenção básica antes de serem encaminhados os pacientes aos especialistas.

Investimentos em hospitais públicos regionais são indispensáveis, não se pode deixar a tarefa apenas por conta de Santa Casas e outros hospitais filantrópicos pelos motivos já expostos aqui e hospitais escolas ligados às Universidades completariam os serviços de alta complexidade.

Revisão e reajuste na tabela do SUS é medida de primeira hora, concursos públicos em todos os níveis para os profissionais de saúde e salários mais dignos e de acordo com a responsabilidade da função, traria de volta os bons profissionais ao serviço público.

A emenda 29 se encarregaria de garantir os recursos em todos os níveis de hierarquia da rede pública, não precisamos da CPMF penalizando ainda mais a sociedade que já sofre uma das maiores cargas tributárias do planeta. Outra fonte de recursos seria fazer os planos de saúde pagarem por exames e procedimentos de seus associados realizados pelo SUS.

Esta é a minha visão após 35 anos dedicados ao serviço público e hospitais filantrópicos, tenho a convicção que é possível avançar muito e oferecer à população uma saúde de melhor qualidade, para isso é necessário conhecimento das realidades regionais e vontade política de fazer com que a saúde seja realmente uma prioridade.
 Assim caberia ao Ministério da Saúde a coordenação do programas de alcance nacional, elaboração de diretrizes na vigilância sanitária e epidemiológica, manutenção de hospitais universitários e repasse de recursos a Estados , que se encarregariam da alta complexidade e exames sofisticados e aos Municípios que seriam responsáveis pela atenção primária e a média complexidade.

Dr.Marco Sobreira.

Blog do Dr. Marco Sobreira