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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A MEDICINA OU A éTICA ALTERNATIVA?
 
Raymundo Paraná
Presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia
 
Devido à escassez de informações, a Sociedade Brasileira de Hepatologia, órgão que congrega os especialistas em doenças do fígado no País, realizou um encontro sobre a toxicidade ao fígado causada por medicamentos. Na oportunidade, também avaliou a eficácia e os efeitos adversos dos fitoterápicos. Nesse contexto, incluiu a avaliação das publicações usadas para justificar o uso da chamada “medicina alternativa” no tratamento das doenças hepáticas. As conclusões foram encaminhadas à Anvisa e ao Ministério da Saúde.
 
Em resumo, não existem estudos robustos que comprovem a eficácia e segurança para fitoterápicos hepáticos utilizados no Brasil. Trata-se de uma situação inaceitável à luz da ciência médica. Também não encontramos evidências que comprovem eficácia de 175 práticas alternativas utilizadas no Brasil.
 
Certamente que a prática alternativa não pode ser indicada sob a falsa aura do “natural”. Mas é nesse equivocado imaginário que os brasileiros se expõem a tratamentos que não possuem
comprovação científica.
 
Pior, são vários os relatos de toxicidade por chás e fitoterápicos: confrei, sacaca, erva-cavalinha, chá-verde, unha-de-gato, cáscara sagrada, mãe-boa, gumíferas, kava, valeriana, sene, espinheirasanta,losna, poejo, andorinha, etc.
 
A ciência médica não comporta preconceito, portanto não é contrária aos fitoterápicos nem a outros métodos não alopáticos, todavia exige um critério de avaliação científica uniforme,uma vez que os princípios ativos de chás, fitoterápicos ou dos alopáticos têm potencial de toxidade. A ética não pode ser alternativa, portanto os preceitos de validação são os mesmos para qualquer proposta terapêutica.
 
Como negar a necessidade de estudos de fases I, II e III para validar uma proposta terapêutica? Negar isso será negar a medicina como ciência.
 
Infelizmente, no Brasil, nos deparamos com o ritual de desqualificação daqueles que defendem a medicina como ciência. Não raro, os que se posicionam dessa forma são maliciosamente acusados de defensores da indústria farmacêutica. Este é o comportamento dos que fogem ao debate científico. Para desmascará-los, lembramos que a indústria da medicina alternativa movimenta bilhões de dólares no mundo com elevados lucros. No subterrâneo da ciência, enraíza-se e enriquece os inescrupulosos, colocando em risco inocentes.
Portanto, há muitos interesses camuflados, mas não é preciso esforço para reconhecê-los. Habitualmente, o acusador é pós graduado em imbecilidade ou alimenta-se de nauseante má fé.
Não enfrenta o debate científico nem luta por centros de pesquisa dedicados a avaliação dessas propostas, pois não é esse o seu interesse.
 
Quase todos os centros de hepatologia do País relataram acrescente suspeita de hepatite tóxica por fitoterápicos ou chás,incluindo os centros de transplante hepático. Infelizmente, esses
compostos possuem diversos princípios ativos, tornando difícil definir a causalidade. Ademais, são utilizados em formulações contendo outros medicamentos. Também são utilizados concomitantemente com  medicamentos alopáticos sem que tenhamos estudos acerca da interação entre eles.
 
Por questões próprias do nosso serviço de saúde, acreditamos na existência de subnotificação de casos, pois os médicos, habitualmente sobrecarregados, acabam não encontrando facilidades para relatar todos os casos observados na sua prática clínica. Também não temos um programa ideal de fármacovigilância
no País. Além disso, muitos receiam as campanhas difamatórias.
 
Desse modo, a Sociedade Brasileira de Hepatologia criará um cadastro nacional de hepatoxicidade alopáticos, que inclui não só os medicamentos alopáticos, como também os fitoterápicos,os complementos alimentares e a chamada medicina natural.
 
O objetivo será oferecer às autoridades de saúde informações estratégicas.
Este assunto é habitualmente negligenciado, mas recentemente tomou importância a partir de um programa jornalístico da TV brasileira. Oxalá, as autoridades de saúde despertem para esse tema.
 
Fonte: Boletim SBH 2011