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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Brasil faz mapa genético do vírus da hepatite C
Fonte: Jornal O Globo

 

Dos 170 milhões de infectados com o vírus da hepatite C em todo o mundo, pelo menos dois milhões são brasileiros. Até hoje pouco se sabia a respeito da doença no Brasil. Agora, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio, investigam a história evolutiva do vírus no país, o principal responsável por cirrose e câncer de fígado. A pesquisa é importante porque, assim como o HIV, da aids, o vírus da hepatite C tem grande variação genética devido à alta taxa de mutação, dando origem a cepas que escapam do sistema imunológico. Esta é uma das causas da falha ao tratamento antiviral, e o estudo inédito poderá ajudar a aumentar a chance de cura.

A ideia de investigar a história evolutiva do vírus da hepatite C (VHC ou HCV, na sigla em inglês) no Brasil surgiu a partir de pesquisas semelhantes com a epidemia por HIV e pela disponibilidade de grande número de sequências de HCV obtidas pelo Laboratório de Hepatites Virais Instituto Oswaldo Cruz, diz a cientista Elisabeth Lampe, uma das autoras.

Também com a colaboração do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC foram analisadas sequências genéticas de 231 amostras de HCV isoladas nas regiões Sudeste (Rio de Janeiro) e Centro-Oeste (Goiânia) entre 1995 e 2007. E os dados das sequências brasileiras foram comparados, por meio de programas de computação, com as de países da América do Norte, Europa e Ásia.



Região Norte concentra o maior número de casos


O HCV é classificado em seis grandes genótipos (informações hereditárias de um organismo) e cada um pode apresentar muitos subtipos, com diferentes distribuições geográficas e modos de transmissão. Os subtipos 1a, 1b, 2a, 2b e 3a ocorrem globalmente e representam a maioria das infecções no mundo. No Brasil, estudos mostraram que os subtipos 1a, 1b e 3a prevalecem, assim como na Europa, na América do Norte, no Japão e na Austrália.

"As características das linhagens brasileiras do HCV apresentam diferenças entre si quando comparadas com as que circulam em outros países", explica Elisabeth.

Essas características ajudam a entender melhor a disseminação da doença entre os brasileiros e a buscar novas estratégias de prevenção e tratamento. De acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência da doença é maior nas regiões Norte e Nordeste. E atualmente a transmissão via transfusão sanguínea e hemoderivados é rara.

Uma dos aspectos relevantes da infecção pelo HCV é a sua capacidade de provocar infecção crônica, que, se não for tratada, pode causar cirrose e câncer de fígado.

"Estudos comprovaram que o genótipo infectante é o principal fator para a resposta ao tratamento. A terapia atual usa interferon e ribavirina. Contudo, ela não é eficaz em muitos casos, além de ser um tratamento longo, de 24 a 48 semanas, com alto custo e efeitos colaterais que vão desde dores de cabeça a alterações de comportamento", acrescenta Elisabeth.

Por exemplo, pacientes infectados com o genótipo 3 respondem melhor ao tratamento do que os infectados pelos subtipos 1a ou 1b, justamente os prevalentes no Brasil. O tempo de tratamento também varia de acordo com o subtipo, indo de 24 a 48 semanas. Daí a importância de identificar o genótipo infectante.

"É importante estimar a história evolutiva da infecção por HCV para prever o futuro impacto da doença, principalmente das formas mais graves como a cirrose e o câncer hepático, já que o lapso entre a infecção e o desenvolvimento das sequelas é de várias décadas", alerta a cientista. "Devemos estar atentos às medidas de controle", acrescenta.

Vírus circula na África e na Ásia há mais de 1.100 anos



Estudos moleculares usando abordagem semelhante à aplicada no trabalho da Fiocruz revelam que na África e na Ásia o HCV circula há muito tempo, cerca 1.100 a 1.350 anos. Já nos países ocidentais, incluindo o Brasil, o HCV alastrou-se intensamente após a segunda metade do século XX, através da utilização de produtos derivados de sangue, aumento maciço em procedimentos invasivos e uso de drogas por via intravenosa.

O HCV só foi isolado em 1989 por Qui-Lim Choo e colaboradores nos Estados Unidos. Antes disso, no entanto, a existência do vírus era estimada. De 1980 a 1995, houve redução do crescimento das taxas de infecção por HCV, coincidindo com a introdução de testes de exclusão em doadores de sangue. As campanhas de distribuição de seringas descartáveis entre usuários de drogas também contribuíram para o declínio da expansão da epidemia.

Carlos Varaldo