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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

VOLTEMOS À CERVEJA E AO CAMARÃO

Aproveitando o último fim de semana das férias, levei a família para um balneário no sul do estado (ES) fugindo do calor infernal de Cachoeiro de Itapemirim e adjacências. Sol escaldante, protetor solar, bebê devidamente acomodado e protegido na sombra de uma castanheira, filha já dentro d’água, me preparo para saborear um cerveja bem gelada que ninguém é de ferro e eis que, para minha surpresa e alegria encontro dois velhos amigos e colegas que assim como eu aproveitavam seus últimos dias de descanso antes de retornarem à velha rotina. Plantões, ambulatório, cirurgias, preocupações, enfim, o dia-a-dia da nossa profissão.


Após os cumprimentos, abraços, notícias das famílias e amigos, entre um copo e outro, camarão salgado e seco ao sol como tira gosto, a conversa toma o rumo da política e naturalmente a saúde pública o tema principal. Como somos conteporâneos, temos experiências idênticas e vivemos as diversas fases da saúde nos últimos 35 anos. As queixas são as de sempre, baixos salários, péssimas condições de trabalho, convivência com gestores incompetentes, interferência política, vereadores tentando atendimento prioritário para seus eleitores, enfim tudo que qualquer médico que trabalha no serviço público, principalmente no interior, está sujeito.

Uma queixa comum é a queda na qualidade profissional dos paramédicos, cursos de reputação duvidosa brotam de todos os lados e jogam no mercado centenas de profissionais com qualificação insuficiente, o que dificulta em muito o trabalho médico, os bons técnicos e enfermeiros raramente permanecem no serviço público e a insistência de prefeitos em aproveitar a prata da casa, por motivos óbvios, só agravam o problema.

Encontraram no “processo seletivo” uma maneira de burlar a lei e empregam quem querem.

- Marco, me interpelou um dos colegas, estou sabendo que no seu município a saúde vai bem, efeito dos royaltes do petróleo?

- Não posso dizer que não, respondi, claro que onde tem mais recursos as coisas são facilitadas, mas o fundamental é a vontade política e devo reconhecer que temos tidos avanços importantes,

-Infelizmente não posso dizer o mesmo, me interrompeu, acredita que outro dia cheguei ao PAM para meu plantão e não tinha fenergan? ( medicamento indispensável em qualquer pronto-socorro ) tive que ligar para o hospital e pegar umas ampolas emprestado, um absurdo ainda termos que passar por isso, é de desanimar.

Antonio, o 3º colega, nos ouvia atentamente e comentou,

-Vocês sabem que não trabalho no setor público, minha experiência é no hospital filantrópico e planos de saúde, no consultório particular minha clientela é essencialmente de convênios e não pensem que as coisas são muito diferentes. Outro dia, na Santa Casa, questionei o diretor clínico o por que só tinha fios para sutura 2.0 (grosso) no pronto-socorro e, o que eu faria se chegasse uma criança com um corte no rosto? Use o que tem foi a sua resposta, ao que retruquei perguntando se fosse seu filho ou neto ele faria o mesmo. Não me respondeu.

Depois de muitos causos, várias risadas, algumas frustrações, concordamos que o PSF ( Programa de Saúde da Família) foi o que de melhor aconteceu na saúde pública nos últimos anos, mas que por falta de reajuste do valor repassado aos municípios pelo Governo Federal e ausência dos Governos Estaduais no financiamento do programa, o está condenando ao desaparecimento. Na tentativa de manter o PSF, até porque é politicamente interessante, os gestores estão pagando salários mais baixos, não exigindo as 8 horas diárias, transformando-o num simples atendimento ambulatorial e já não é atraente aos melhores profissionais.

-Olhe amigos, desabafei, não sei o que será do serviço de urgência e emergência no interior quando nossa geração passar, o que tenho percebido é que os jovens médicos não querem mais trabalhar nesse setor, questionam duas coisas principalmente, os salários e a solidão de enfrentar um plantão sozinho, como fazemos.

Outro dia, precisando substituir um colega, liguei para um desses recém-formado colega de profissão, transcrevo o diálogo:

-Alô, é o Dr. Maurício?

-Sim, quem fala?

-Maurício, bom dia, meu nome é Marco Sobreira, sou um seu colega e diretor do Hospital Dra. Andrea, estou te ligando pra saber se tem disponibilidade e se quer dar um plantão de 24 horas no próximo domingo,

-Humm, domingo? Perguntou, já demonstrando certo desagrado,

-É uma situação de emergência e preciso de alguém para substituir o colega,

-Quanto paga?

-Olhe, o preço do plantão é de 800 reais, falei meio sem jeito,

-Por 24 horas, sozinho? Me perdoe, agradeço por ter ligado, não me leve a mal mas prefiro ficar em casa e ler meu jornal.

Meus amigos caíram na gargalhada e fizeram uma bela sugestão,

-Marco, voltemos à cerveja e ao camarão,

-No que concordei prontamente.


Dr Marco Sobreira ~> Blog do Dr. Marco Sobreira


Nota Pessoal



Aproveito para contar meu orgulho em ser amiga desse grande homem. Se a vida nos leva por caminhos desconhecidos para o nosso bem, esse encontro virtual foi um exemplo. Ontem foi aniversário do nosso querido Dr Marco e quero deixar aqui registrada minha imensa admiração e agradecimento por esse ser humano exemplar.

Um enorme abraço a vc Marco e a toda sua linda familia.

Telma Alcazar
MegLon

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