Hepatite C Não é uma DST - Sociedade Brasileira de Hepatologia
Entrevistas para enquete referente à reportagem do Jornal Folha de São Paulo
Recentemente, o jornal Folha de São Paulo, maior veículo impresso do Brasil, publicou uma matéria intitulada “Hepatite C é ligada a jovens que fazem sexo com muitas pessoas”.
A notícia informava que um estudo realizado pela USP - Universidade de
São Paulo sugere que homens jovens e promíscuos são as vítimas
preferenciais da Hepatite C. Esta noticia gerou especulações acerca da
possibilidade da transmissão sexual do Vírus da Hepatite C ter sido
subestimada ao longo dos anos dedicados ao estudo desta doença.
O assunto é controverso, mas existe farta
documentação cientifica contrária à importância da transmissão sexual do
Vírus C, exceto em situações peculiares.
Ademais, o tópico apresenta serias
dificuldades para a sua avaliação científica. È necessário controlar
nos estudos os fatores que chamamos, na linguagem da metodologia
científica, de “confundimento.” No caso da Hepatite C, o vírus pode ser
transmitido por diversas vias parenterais, ou seja, partilha de
instrumentos perfuro-cortantes ou abrasivos, mesmo objetos de uso
pessoal como tesoura de unhas e escova de dente. Não raro, indivíduos
com comportamento sexual de risco, partilham estes instrumentos. Isso
pode levar o investigador a falsamente aceitar a transmissão sexual se o
estudo não tiver mecanismos para controlar estes “ fatores de
confundimento”.
Além disso, deve-se ter o máximo cuidado
quando incluímos na amostra usuários de drogas intravenosas. Ademais,
quando a amostra é pequena (poucos pacientes incluídos no estudo) como é
o caso do estudo que levou a esta controversa conclusão.
Esta é uma população particularmente difícil
de estudar, não só pela dificuldade de informações seguras, assim como
pela abundancia de fatores de confundimento.
Reconhecendo ser este um tema de importância,
a SBH ouviu expertos em Hepatite C do Brasil e do exterior, todos com
reconhecida experiência no assunto, pois são formadores de opinião e
trabalham em centros de referencia para Hepatite C.
Para tanto, solicitamos os serviços da
assessoria de comunicação da Texto&Cia. Esta, por sua vez, teve
total independência para entrevistar expertos em Hepatologia, todos
especialistas formadores de opinião.
A Entrevista aconteceu durante o Evento da
SBH “Hepatologia do Milênio” em Salvador, de 14 a 17 de Julho de 2010.
Todos os entrevistados foram convidados do evento para proferir
conferencias, participar de mesas redondas e discutir casos clínicos
complexos.
A Sociedade Brasileira de Hepatologia tem por
objetivo contribuir para esclarecer a população, mormente os mais de
2.000.000 de brasileiros portadores de Hepatite C e aos seus familiares.
Este é um papel social das sociedades de especialidades médicas e também da imprensa.
Raymundo Paraná
Presidente da SBH
Professor Livre-Docente de Hepatologia Clinica da UFBA
Chefe do Serviço de Gastro-Hepatologia do Hospital Universitário da UFBA
Entrevistas
P- Qual é a sua opinião a respeito deste assunto?
Fábio
Marinho do Rêgo Barros – Diretor da SBH – Sociedade Brasileira de
Hepatologia e Hepatologista do Hospital Português de Pernambuco
Acho que é muito arriscado você usar um meio
de comunicação como a Folha de São Paulo para divulgar uma informação
que a princípio soa um tanto quanto alarmante. Primeiramente, o texto
começa com um erro crasso que é a informação de que a hepatite C é uma
doença incurável, quando na verdade nós sabemos que com os métodos
atuais nós podemos curar efetivamente cerca de 50% das pessoas. A
questão da transmissão sexual ou outras vias como se investigou no
artigo não me parece muito convincente. Em vários estudos publicados em
rigorosas revistas não existem indicadores de que casais monogâmicos
se infectam mutuamente, quando um é positivo e o outro negativo.
Normalmente você tem outras vias de contaminação que não a via sexual.
Além disso, via sexual “convencional” não pode ser confundida com
outras práticas sexuais como, por exemplo, sexo anal mais selvagem onde
pudessem ocorrer pequenas lacerações. Neste caso poderia ter algum
contato com o vírus, mas seria uma transmissão que se aproximaria mais
da parenteral pelo contato como o sangue e não pelo sexo em si.
Então, basicamente, é o contato com o
sangue, como toda a via de transmissão da Hepatite C é: transfusão
sanguínea, usuários de drogas, partilha de instrumentos cortantes,
partilha de seringas, ou seja, meios que tenham o sangue como veículo
de transmissão viral.
Edna Strauss – Hepatologista do INCOR, Universidade de São Paulo.
Inicialmente destaco que eu não gostei do
enunciado. “Homens jovens e promíscuos teriam maior propensão a ter
Hepatite C, a desenvolver, ou a pegar, ou serem contaminados com o
vírus da Hepatite C”. A epidemiologia da Hepatite C é muito bem
conhecida. A forma preferencial de contaminação da Hepatite C é a forma
parenteral, ou seja, exposição a produtos do sangue levados por corte,
por agulha, por seringa contendo material contaminado. A possibilidade
de contaminação sexual, através da relação sexual, desde que não haja
grosseiras escoriações com sangramento. Por isso, a relação homossexual
traumática realmente pode levar a contaminação, não pela relação
sexual propriamente dita, mas pelo trauma da relação, pela contaminação
de ambas as partes. Isso pode acontecer. Isso já é muito conhecido, -
mas não é a via mais importante de contaminação.
O indivíduo pode se contaminar de inúmeras
maneiras. Precisamos definir o que é promiscuidade sexual. A
promiscuidade pela Organização Mundial de Saúde significa que o
indivíduo tem ou teve mais de dois parceiros sexuais em seis meses.
Neste contexto, se a pessoa tem mais de dois parceiros em seis meses,
pela Organização Mundial de Saúde, ele é conceituado como promíscuo
sexualmente. Um indivíduo com este perfil pode ter maior possibilidade
de adquirir também a Hepatite C, porém, cabe a pergunta, sobre a
confirmação de que a Hepatite C seja uma doença sexualmente
transmissível. Nós sabemos que a Hepatite B tem importante transmissão
sexual, mas a hepatite C é bem diferente. O vírus da Hepatite B tem uma
efetividade muito maior, mas a Hepatite C não. A Hepatite C tem uma
menos estabilidade no meio ambiente, a contaminação é mais difícil mesmo
no acidente por agulha. Resumindo, a probabilidade de contaminação
pelo sexo não é nula, isso nós sempre colocamos para os nossos
pacientes, ela não é nula, mas ela é muito pequena, o que faz com que
não se possa dizer que esta Hepatite é de transmissão sexual.
Existem formas diversas de contaminação da
Hepatite C. Por conta disso, sempre que vejo um paciente com Hepatite C
solicito o exame ao parceiro. Não porque eu ache que o sexo transmita a
doença, mas porque a convivência diária entre os dois faz com que
outras formas de contaminação aconteçam, por exemplo partilha de escova
de dente, alicates de unha, ECT. Já tive um caso assim na minha
clínica: o marido estava infectado, quando pedimos da esposa ela também
estava infectada. Aí eu busquei os meios de contaminação e ela disse
“Ah doutora, ele fazia a barba e depois eu pegava a gilete e me
depilava com a mesma gilete”, portanto um material cortante que foi
compartilhado. Assim como alicates de manicure, assim como uma agulha,
uma tesoura, qualquer coisa que possa um ter usado e o outro ter usado
também e com isso transmitir o vírus. Então o meio familiar, a
convivência dos cônjuges pode realmente fazer com que haja uma
transmissão do vírus, o que não quer necessariamente dizer que seja
sexual. E no caso dessa pesquisa onde a maior parte das pessoas tinha
uma atividade sexual muito intensa, seria necessário esclarecer mais
detalhadamente quais são os outros hábitos dessas pessoas promíscuas.
Sem isso não é possível excluir todos os outros fatores para confirmar
que foi o sexo, realmente, o responsável pela contaminação.
Gilmar
Amorim – Gastroenterologista, Docente do Departamento de Medicina
Integrada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do
grupo de expertos em Medicina Baseada em Evidencia da SBH.
Venho oferecer algum esclarecimento sobre
essa questão que foi fortemente veiculada na mídia escrita e que de
alguma forma deve estar causando algum transtorno emocional às pessoas
que tem Hepatite C. Primeiro ponto: eu quero deixar claro que concordo
plenamente com a nota publicada pela Sociedade Brasileira de
Hepatologia. Perfeita a nota, ela esclarece que a Hepatite C não pode
ser considerada uma doença sexualmente transmissível à luz dos
conhecimentos atuais. E ponto final sobre o assunto.
Essa opinião é também de todas as sociedades
de Hepatologia, no mundo inteiro. Ainda sustenta esta opinião o CDC
(Centers for Disease Control) norte americano. A forma preponderante de
transmissão é através do sangue contaminado. Então a nota da Sociedade
ela é perfeita nesse sentido e ela ainda diz mais: que os trabalhos
que lidam com esse assunto podem ter fatores complicadores à sua
análise, ou seja, a metodologia inadequada. E aí se pode chegar a
conclusões inadequadas. O assunto é muito delicado, pois pode resultar
em preocupações para as pessoas, para os que estão enfermos, para os
seus familiares, para o médico assistente e para todos aqueles lidam
com o enfermo. Então eu concordo ainda mais com o que a nota da SBH
quando diz que o sexo seguro é uma recomendação de universal e deve ser
praticado por todos, independente da suspeita do parceiro ter ou não
Hepatite C, sobretudo se esse parceiro não é fixo. Perfeita essa nota,
eu não acrescentaria nada mais a isso aí, pois eu estou totalmente de
acordo. E quero me inscrever dentre os que manifestaram
descontentamento com essa informação de que a Hepatite C pode ser
transmitida por via sexual, ou o conceito de alta conectividade com a
via sexual de transmissão, conforme foi publicado.
Moisés Diago – Hepatologista, Universidade de Valencia, Espanha
Infelizmente não li este artigo, mas reluto
em acreditar que esteja certo. Teria que interpretá-lo, pois pode haver
mais fatores que tenham levado erradamente a esta conclusão. Na Minha
opinião (é uma opinião geral, não só minha), é que o vírus da Hepatite C
não é um vírus de transmissão sexual. Este é um vírus de transmissão
por via sanguínea, por punções, não através de mucosas, ou seja, requer
que haja ulcerações na mucosa para que possa ser transmitido.
No ano de 1996 publiquei um estudo na
Espanha feito em familiares de pacientes com Hepatite C e também com
seus parceiros sexuais e nos contatantes familiares. Minha conclusão
foi a de que a via de contato familiar não transmite o vírus. Já que
nos parceiros sexuais tinham um aumento de prevalência, mas quando
analisamos os genótipos (Tipo Genético do Vírus), a metade era
diferente, ou seja, cada membro do casal possuía um tipo de vírus
diferente, portanto haviam contraído separadamente a infecção. Eles não
haviam transmitido um para o outro. Isso em casais que eram casais
heterossexuais estáveis.
Também nos filhos, não havia transmissão, mesmo entre os filhos de mães sero-positivas.
Sabemos sim que é possível existir a
transmissão sexual, mas é uma probabilidade muito baixa, de apenas 2 ou
3%. Há muitos trabalhos que tratam de possíveis transmissões sexuais,
mas muitos deles foram realizados em clínicas de doenças de transmissão
sexual, onde atendem a pacientes, mulheres ou homens com doenças
sexualmente transmissíveis, ou seja, mulheres que tem ulcerações na
vagina. Então isso é um fator que tem que ser desmascarado, porque
possivelmente uma mucosa da vagina que está com ulceração pode
transmitir o vírus, o mesmo com o pênis do homem, pode ocorrer essa via.
Este não é o conceito clássico de transmissão sexual. Mas com uma
mucosa intacta não deve existir a transmissão.
Qual seria a explicação para o resultado
desse estudo da USP? Eu creio que as pessoas que chegam a ter 50
parceiros sexuais têm muitas outras condutas de risco. Não todos, mas
dessas 50 pessoas com quem o indivíduo teve relações sexuais em um ano
temos, com certeza, algumas pessoas com DSTs e vírus C. Então temos que
controlar este fator. Eu acredito que este seja um fator importante.
Há também outras condutas a que essa conduta se associa. Mas pode haver
hábitos que não estão claros, mas que poderiam explicar esse
resultado. Portanto de um estudo assim não se pode concluir, quando há
outros tantos estudos que dizem que o vírus da Hepatite C não é um
vírus de transmissão sexual. Não podemos concluir que a transmissão
sexual é um fator importante. Sim que pode acontecer em determinados
comportamentos. Mas a recomendação de todas as sociedades é que não é
necessário utilizar preservativos nas relações estáveis com um paciente
portadores do vírus C, haja vista que depois de 20, 30 anos de
convivência não há transmissão. Portanto, possivelmente esse fator que
embasa esse estudo é mais um fator de conjunção de outros fatores que
se associam à conduta daqueles indivíduos que variam parceiros sexuais.
Todas as sociedades recomendam que nos casos de grande número de
trocas de parceiros seja utilizado o preservativo. Mas acho que isso
não há relação com o vírus C, pois há outras doenças são de transmissão
sexual como a Hepatite B e a AIDS. É claro que numa gama de 50
parceiros deve haver pessoas com alguns outros problemas como uma
ulceração na vagina ou algum comportamento de risco como o
compartilhamento de seringas, objetos de uso pessoal, etc. Creio que aí
esteja a confusão.
Christian Trepo – Hepatologista, Hospital Hotel Dieu, Universidade Claude Bernard, Lyon-França
Eu acho que deve haver uma confusão nesse
estudo, pois o que é sabido é que usualmente a Hepatite C não é
transmitida pelo sexo, especialmente entre casais. Agora o que foi
recentemente descoberto é que homens que fazem sexo com homens são
responsáveis por uma epidemia de hepatite C aguda. Mas isto não foi
descrito para casais heterossexuais. Então o que realmente faz
diferença é a preferência sexual.
Cláudio Figueiredo Mendes – Hepatologista, Chefe do Serviço de Hepatologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro
Sobre o estudo que foi divulgado pela
imprensa em São Paulo, mencionando a possível transmissão, ou quase que
confirmando a transmissão a fácil sexual do vírus da Hepatite C,
existem, obviamente, vários questionamentos a respeito das conclusões. O
que nós temos até hoje é que a transmissão do vírus da Hepatite C é
principalmente por via parenteral, ou seja, contaminação através de
sangue. A contaminação sexual seria uma via secundária, mas muito pouco
importante.
A chance de transmissão através da via sexual
é muito pequena mesmo. Parece que esse estudo teve vários erros na sua
concepção. Eu não o conheço na integra, então não posso criticá-lo
metodologicamente, mas, de qualquer forma, parece que esse estudo tem
algumas contaminações e alguns vieses que podem ter prejudicado a
avaliação final dos autores, envolvendo o uso de drogas e outros
comportamentos de risco. É muito difícil você determinar exatamente se
foi a via sexual a responsável pela disseminação do vírus da Hepatite C
nesse caso.
Heiner
Wedemeyer – Hepatologista, Docente do Departamento de
Gastroenterologia, Hepatologia e Endocrinologia da Hannover Medical
School na Alemanha. Presidente da EASL (Associação Européia para o
Estudo do Fígado)
Primeiramente, esses dados são muito
importantes, pois precisamos identificar fatores de risco para variadas
vias de transmissão da Hepatite C. O que esse estudo mostra é que
pessoas com certos perfis podem ter maiores probabilidades de serem
infectadas com o vírus da Hepatite C. Mas não é verdade que a Hepatite C
seja transmitida pela relação sexual. Este assunto tem que ser tratado
com muito cuidado, pois se você não tiver fatores de risco adicionais,
a probabilidade de transmitir a hepatite C por relação sexual é muito
baixa. Nós conhecemos milhares de pessoas que são casadas e mantém
relações sexuais por mais de 30 anos e não transmitiram Hepatite C aos
seus parceiros. Entretanto a descoberta de que homens jovens com
freqüente troca de parceiros têm uma probabilidade maior de transmitir
Hepatite C sugere que eles possam ter também outros comportamentos que
estão levando a um risco maior de infecção. E isso tem que ser
investigado mais profundamente.
Deve ressaltar que se o paciente, além disso
tudo, for imunossuprimido, ou tiver o vírus do HIV, aí a relação sexual
é um fator de risco elevado para a transmissão. Isto está documentado,
mas a transmissão sexual clássica entre indivíduos com integridade do
sistema imunológico é de menor importância. Isso foi mostrado também na
Europa, onde observamos um surto de Hepatite C entre homens portadores
do vírus HIV. Estes podem transmitir o vírus da Hepatite C através de
relação sexual.
Edson
Roberto Parise – Hepatologista, Professor adjunto da Escola Paulista de
Medicina da Universidade Federal de São Paulo e Presidente da
Associação Paulista para Estudo do Fígado.
O estudo eu não conheço em detalhes, mas a
forma como foi divulgada a notícia é extremamente preocupante. Isso
porque ela induz a que se creia que os pacientes que tem Hepatite C são
normalmente indivíduos promíscuos, o que é uma inverdade total. A
maior parte desses pacientes teve a sua infecção ou através de
transfusão sanguínea ou através do uso de seringas/agulhas
contaminadas. A promiscuidade é baixíssima entre todos os nossos
pacientes, e o que estranha nesse estudo é que ele contraria todos os
achados de todos os grupos no Brasil. Foi o único trabalho, com uma
casuística muito pequena - deve-se frisar isso - que se dispôs a ter
conclusões extremamente apressadas e, a meu ver, extremamente errôneas.
Eu não posso dizer que no estudo isso não
existiu, porque nós não temos acesso aos dados, mas é muito intrigante
que isso contrarie todas as casuísticas muito mais amplas que já foram
realizadas no Brasil e no mundo a esse respeito. Foram estudos
robustos, publicados em revistas de reconhecido rigor metodológico,
tinham amostra de pacientes muito maiores do que a do estudo em
questão. Portanto, é difícil aceitar uma conclusão tão contundente de
um único estudo que não tem estes predicados que acabei de citar.
Repórter - Esses estudos, tanto do Brasil como do mundo, não indicam a Hepatite C como DST?
Edson Parise – Tanto é que nem nós, os
médicos que cuidamos dos pacientes com Hepatite C, e nem mesmo os
organismos de saúde Norte-Americanos indicam o uso de preservativo para
parceiros sexuais estáveis de pacientes com Hepatite C. Então esse
artigo está na contramão do mundo e é uma pena que se dê a ele uma
dimensão como a que foi dada, dentro de um veículo tão importante
quanto a Folha de São Paulo.
Paulo Roberto Abraão Ferreira – Infectologista da UNIFESP - São Paulo
Realmente a possibilidade de transmissão
sexual da Hepatite C tem sido cada vez mais valorizada, particularmente
dentre pacientes que são portadores do HIV e que tem práticas
homossexuais, ou seja, indivíduos homossexuais masculinos. De forma
que, provavelmente, pelos dados da literatura, aqueles pacientes que
praticam sexo, particularmente sexo anal, com algum grau de traumatismo
nessa cópula, podem desenvolver lacerações e, consequentemente,
sangramento local durante o ato sexual e então facilitar a transmissão
sexual do vírus da Hepatite C.
Existem vários relatos em trabalhos
científicos mostrando surtos de Hepatite C dentre portadores do HIV e
pacientes que são homossexuais, com prática de sexo anal. Existe
sempre, da nossa parte, uma preocupação também porque não raro nós
observamos na nossa prática clínica e também em dados relatados pela
literatura, casos de infecção aguda em indivíduos que não são
portadores do vírus HIV, algumas vezes em casais heterossexuais onde
o(a) parceiro(a) adquire Hepatite C após contato com o namorado ou
marido infectado por Hepatite C em casos agudos. Então, de fato essa
possibilidade de transmissão sexual da Hepatite C pode existir, mas não
é a principal forma de transmissão. Não deve ser também negligenciada.
A orientação de sexo seguro e uso de preservativos é universal, com
todos os cuidados que se recomenda, tanto para evitar a infecção pelo
vírus HIV, como para evitar a infecção pelo vírus da Hepatite B.
Victorino Spinelli – Hepatologista da UFPE, ex-presidente da SBH
Há uma série de falhas e inverdades, e
também há falta de base sobre o que está sendo afirmado. Em relação à
transmissão sexual do vírus da Hepatite C, isso é uma possibilidade,
mas de menor importância, exceto em grupos com comportamento de risco
peculiar. Inclusive há estudos publicados que indicam um risco de uma
pessoa adquirir o vírus da Hepatite C se o parceiro for contaminado. Nem sempre a transmissão se deu pelo sexo neste caso, pois existem outras vias de transmissão que são difíceis de avaliar.
Isso tem sido observado tanto em parceiros
monogâmicos como também em multiplicidade de parceiros. Eu não conheço
nenhum estudo que tenha relacionado isso especificamente com a
multiplicidade de parceiros. Qualquer doença sexualmente transmissível
aumenta a incidência quando também se aumenta o numero de parceiros. Em
relação à Hepatite C, eu desconheço estudos com números contundentes em
favor da transmissão sexual. que é muito baixa. Na minha experiência
pessoal, eu já tentei avaliar isso em esposas de doadores de sangue e a
presença do anticorpo nessas esposas foi muito baixo Outra experiência,
não é um estudo científico, mas é resultado da minha observação em
prática medica: Alguns anos atrás, de 500 pacientes tratados, boa parte
deles casados, de relação supostamente monogâmica, apenas 5 pessoas, ou
coincidências, não quero julgar que foi transmissão sexual, mas
coincidências, nas quais esposas e maridos eram HCV positivo. Quando
isso acontece, você ainda não pode afirmar que foi transmissão sexual
porque, por exemplo, a mulher usa o barbeador do marido para depilação e
essa é uma via sabida de transmissão. Além de mais, uma série de
outros contatos nos quais o sangue de um pode entrar em contato com o
do outro.
Vamos avaliar o genótipo 1a ou o genótipo 1b.
O genótipo 1 é o mais freqüente em São Paulo. Cerca de 60% a 70% das
infecções pelo vírus C em São Paulo são genótipo 1. Não é de espantar
que haja essa coincidência entre genótipos nos indivíduos, o que não
necessariamente significa que seja o mesmo vírus. Portanto, este aspecto
não serve para embasar a conclusão de transmissão sexual, exceto se
houver o sequenciamento de genoma viral para comprovar que são o mesmo
vírus. Já em Pernambuco, entre 50% e 60%. No Rio Grande do Sul, o número
é um pouco menor. Quando se fala em subtipos a e b, não parece lógico
aquilo que a pesquisa aponta. Os autores dizem que os indivíduos com
comportamento promíscuo têm o genótipo 1a e os que contaminaram com
transfusão de sangue tenha o 1b. Não sei em que se baseia essa afirmação!!!
Mas o que vale
ressaltar a luz do que conhecemos de estudos bem conduzidos é que
prevalência da transmissão sexual da Hepatite C é baixíssima, com um
parceiro ou com múltiplos. Já o risco de contaminação da Hepatite B por
via sexual existe sim e a camisinha e a vacinação podem auxiliar na
prevenção do contágio.
Fonte: Sociedade Brasileira de Hepatologia
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