Centenas de ações se avolumam todos os dias na Justiça Federal questionando a inaplicabilidade ou uso não adequado das regras estabelecidas para o tratamento de pacientes portadores de doenças graves e raras; fornecimento de medicamentos de forma gratuita; ortotanásia (morte natural de um paciente terminal em que os médicos deixam de ministrar remédios que prolongam sua sobrevida); disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no privado; e cobrança abusiva cometida por operadoras de planos de saúde e de seguros.
Não é de hoje que o Poder Judiciário se tornou refúgio dos que buscam remédios ou algum procedimento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando os hospitais e postos de saúde fecham suas portas, é na Justiça que os pacientes buscam socorro. Hoje tramitam mais de 112 mil ações desse tipo em 20 dos 91 tribunais brasileiros.
A premissa inaugurada na Constituição de 1988 de que a saúde é um direito fundamental do cidadão e um dever do Estado invadiu o Poder Judiciário e consolidou a chamada "judicialização da saúde". Assim, a atuação judicial ganhou espaço diante da inexistência de políticas públicas ou da insuficiência em atender minimamente às demandas sociais.
Esse fenômeno teve início no começo da década de 1990, quando pacientes soropositivos, à procura de medicamentos antirretrovirais para combater o avanço do vírus HIV, recorreram à Justiça. Rapidamente a iniciativa se popularizou, quando inúmeras liminares foram concedidas pelo Poder Judiciário e passaram a obrigar o Estado a fornecer gratuitamente drogas de alto custo que não constavam da lista do SUS.
Embora novas leis tenham surgido nos últimos 20 anos para garantir a efetivação de políticas públicas de saúde, o volume de ações judiciais só fez crescer exponencialmente, exigindo decisões dos juízes que atendam sempre à garantia constitucional da duração razoável do processo. Esse fenômeno proliferou a ideia da "judicialização da saúde".
Recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que os Tribunais Regionais Federais, que tratam das questões em grau de recurso, têm recebido um número cada vez maior de demandas sobre saúde. Dados preliminares do CNJ revelam a existência de mais de 20 mil ações tramitando apenas na segunda instância da Justiça Federal. Segundo o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão - em discurso proferido no 1.º Fórum Nacional de Saúde, realizado em novembro do ano passado -, entre 2003 e 2009, houve 5.323 ações judiciais ajuizadas contra a União, em todo o País, somente para questionar a aquisição de remédios e procedimentos médico-hospitalares sonegados administrativamente.
É imprescindível, portanto, que o Poder Executivo faça a sua parte para evitar essa avalanche de ações no Poder Judiciário e, de outra banda, cumpra, de forma expedita e precisa, decisões judiciais que salvam a vida de milhares de cidadãos brasileiros todos os anos. Decisões judiciais, diga-se, respaldadas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional de regência.
Não se podem aceitar, passivamente, números como os divulgados pelo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de dezembro de 2010, em que se afirma que 100 milhões de pessoas no mundo, todos os anos, vão à falência (isso mesmo!) porque precisam financiar tratamentos privados de saúde e cerca de 1 bilhão não tem condições de arcar com gastos relativos à saúde.
No Brasil, há 21 anos o SUS oferece assistência gratuita à população (Lei n.º 8.080/90), mas o descaso com a aplicabilidade da lei pelo Executivo, apesar dos esforços do Estado-juiz com suas decisões, é uma constante. Um juiz, naturalmente, num processo desse estilo, procura sempre tutelar algo cuja perda é irreparável: o direito fundamental à vida do ser humano, previsto expressamente no artigo 5.º da Constituição Federal. Em casos de internação em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), a diferença entre viver e morrer se mede em minutos. E aí a Justiça não pode ser lenta e as decisões dos juízes precisam ser cumpridas pelo Poder Executivo e pelo SUS imediatamente, sem burocracia.
Em agosto do ano passado o CNJ, em exemplar decisão, arquivou reclamação disciplinar apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra uma juíza federal de Porto Alegre que, em março de 2009, determinou a prisão do procurador regional da União no Rio Grande do Sul por crime de desobediência. A ordem foi dada em razão do descumprimento da decisão em que a magistrada determinou a entrega, em 48 horas, do suplemento alimentar MSUD-2 a um bebê que corria risco de vida. A decisão só foi cumprida 48 dias depois da concessão da tutela antecipada, mais precisamente duas horas após a prisão da autoridade federal, que foi solta após concessão de liminar em habeas corpus. Obviamente, a juíza, em momento algum, como ficou evidenciado no julgamento do CNJ, teve a intenção de cometer qualquer afronta institucional ao advogado da União. Apenas, num juízo de ponderação de valores constitucionais, optou pela tutela do direito à vida do bebê no legítimo exercício do poder jurisdicional. Como bem disse o ex-corregedor nacional de Justiça ministro Gilson Dipp, em seu voto no plenário do CNJ, "a magistrada se viu na última fronteira entre as instituições públicas e o direito à vida".
É hora, portanto, de o governo, aproveitando o ensejo do anunciado Terceiro Pacto Republicano, propor medidas concretas e normativas voltadas a otimizar rotinas processuais e, em especial, administrativas, a fim de que se possa oferecer uma solução mais rápida aos cidadãos que pleiteiam seu direito à saúde. Pelo visto, lamentavelmente, o Poder Judiciário parece ser ainda o único remédio eficaz e ao alcance da sociedade para enfrentar certas disfunções ou insuficiências do Estado brasileiro.
Não é de hoje que o Poder Judiciário se tornou refúgio dos que buscam remédios ou algum procedimento não oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando os hospitais e postos de saúde fecham suas portas, é na Justiça que os pacientes buscam socorro. Hoje tramitam mais de 112 mil ações desse tipo em 20 dos 91 tribunais brasileiros.
A premissa inaugurada na Constituição de 1988 de que a saúde é um direito fundamental do cidadão e um dever do Estado invadiu o Poder Judiciário e consolidou a chamada "judicialização da saúde". Assim, a atuação judicial ganhou espaço diante da inexistência de políticas públicas ou da insuficiência em atender minimamente às demandas sociais.
Esse fenômeno teve início no começo da década de 1990, quando pacientes soropositivos, à procura de medicamentos antirretrovirais para combater o avanço do vírus HIV, recorreram à Justiça. Rapidamente a iniciativa se popularizou, quando inúmeras liminares foram concedidas pelo Poder Judiciário e passaram a obrigar o Estado a fornecer gratuitamente drogas de alto custo que não constavam da lista do SUS.
Embora novas leis tenham surgido nos últimos 20 anos para garantir a efetivação de políticas públicas de saúde, o volume de ações judiciais só fez crescer exponencialmente, exigindo decisões dos juízes que atendam sempre à garantia constitucional da duração razoável do processo. Esse fenômeno proliferou a ideia da "judicialização da saúde".
Recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que os Tribunais Regionais Federais, que tratam das questões em grau de recurso, têm recebido um número cada vez maior de demandas sobre saúde. Dados preliminares do CNJ revelam a existência de mais de 20 mil ações tramitando apenas na segunda instância da Justiça Federal. Segundo o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão - em discurso proferido no 1.º Fórum Nacional de Saúde, realizado em novembro do ano passado -, entre 2003 e 2009, houve 5.323 ações judiciais ajuizadas contra a União, em todo o País, somente para questionar a aquisição de remédios e procedimentos médico-hospitalares sonegados administrativamente.
É imprescindível, portanto, que o Poder Executivo faça a sua parte para evitar essa avalanche de ações no Poder Judiciário e, de outra banda, cumpra, de forma expedita e precisa, decisões judiciais que salvam a vida de milhares de cidadãos brasileiros todos os anos. Decisões judiciais, diga-se, respaldadas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional de regência.
Não se podem aceitar, passivamente, números como os divulgados pelo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de dezembro de 2010, em que se afirma que 100 milhões de pessoas no mundo, todos os anos, vão à falência (isso mesmo!) porque precisam financiar tratamentos privados de saúde e cerca de 1 bilhão não tem condições de arcar com gastos relativos à saúde.
No Brasil, há 21 anos o SUS oferece assistência gratuita à população (Lei n.º 8.080/90), mas o descaso com a aplicabilidade da lei pelo Executivo, apesar dos esforços do Estado-juiz com suas decisões, é uma constante. Um juiz, naturalmente, num processo desse estilo, procura sempre tutelar algo cuja perda é irreparável: o direito fundamental à vida do ser humano, previsto expressamente no artigo 5.º da Constituição Federal. Em casos de internação em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), a diferença entre viver e morrer se mede em minutos. E aí a Justiça não pode ser lenta e as decisões dos juízes precisam ser cumpridas pelo Poder Executivo e pelo SUS imediatamente, sem burocracia.
Em agosto do ano passado o CNJ, em exemplar decisão, arquivou reclamação disciplinar apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra uma juíza federal de Porto Alegre que, em março de 2009, determinou a prisão do procurador regional da União no Rio Grande do Sul por crime de desobediência. A ordem foi dada em razão do descumprimento da decisão em que a magistrada determinou a entrega, em 48 horas, do suplemento alimentar MSUD-2 a um bebê que corria risco de vida. A decisão só foi cumprida 48 dias depois da concessão da tutela antecipada, mais precisamente duas horas após a prisão da autoridade federal, que foi solta após concessão de liminar em habeas corpus. Obviamente, a juíza, em momento algum, como ficou evidenciado no julgamento do CNJ, teve a intenção de cometer qualquer afronta institucional ao advogado da União. Apenas, num juízo de ponderação de valores constitucionais, optou pela tutela do direito à vida do bebê no legítimo exercício do poder jurisdicional. Como bem disse o ex-corregedor nacional de Justiça ministro Gilson Dipp, em seu voto no plenário do CNJ, "a magistrada se viu na última fronteira entre as instituições públicas e o direito à vida".
É hora, portanto, de o governo, aproveitando o ensejo do anunciado Terceiro Pacto Republicano, propor medidas concretas e normativas voltadas a otimizar rotinas processuais e, em especial, administrativas, a fim de que se possa oferecer uma solução mais rápida aos cidadãos que pleiteiam seu direito à saúde. Pelo visto, lamentavelmente, o Poder Judiciário parece ser ainda o único remédio eficaz e ao alcance da sociedade para enfrentar certas disfunções ou insuficiências do Estado brasileiro.
Fonte: Gabriel Wedy - O Estado de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário